Mulheres negras na sociedade: Desafios e exemplos de luta e resistência
Luiza Barros, intelectual brasileira falecida há 4 anos, dizia que nascer negra no Brasil, é nascer marcada.
Angela Davis, ativista americana reconhecida por sua luta e obra, afirma que quando uma mulher negra se move, toda a estrutura da sociedade se move com ela.
É fato que ainda existe um longo e pedregoso caminho a percorrer para que direitos básicos sejam conquistados, entretanto, a pauta mulheres negras na sociedade ganha novas esferas e atinge grupos que antes sequer eram impactados pelo assunto.
Mas por que é tão importante abrir alas para a luta da mulher negra?
Simplesmente porque elas são minoria em um país que ainda insiste em negar o seu racismo.
Mais do que isso: são vítimas do machismo por meio da hipersexualização de seus corpos, da falta de oportunidade no mercado de trabalho e, mais triste ainda, da violência.
Para se ter uma ideia, dados estatísticos divulgados pelo governo federal comprovam que, em dez anos, a violência contra as mulheres negras aumentou 54%.
Ou seja, no Brasil, onde há mais negros do que brancos, as mulheres negras estão na base da pirâmide social e integram os piores índices de indicadores sociais e econômicos do país.
Neste artigo, conheça mais detalhes sobre a situação da mulher negra no Brasil e no mundo e conheça exemplos de luta e resistência.
Os desafios das mulheres negras na sociedade
Incontáveis são os desafios das mulheres negras na sociedade, mas a inserção no mercado de trabalho e a luta por salários mais iguais é uma das pautas prioritárias.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 21% das mulheres negras são empregadas domésticas.
Não bastasse isso, o ano de 2019 foi o que apresentou a maior taxa de mulheres negras que realizam afazeres domésticos, conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Esse cenário, acredita a economista Ariana Britto, acontece por 3 principais razões:
- Menor participação de mulheres negras no mercado de trabalho;
- Construção histórica;
- Falta de recursos e opção.
Leia também: 5 fatos sobre a desigualdade de gênero no mercado brasileiro
Trata-se, na visão da especialista, de uma questão hereditária que só reforça a importância de assegurar um processo de conscientização desde cedo, em todas as esferas da sociedade.
Por isso, garantir que a Lei 10.639, de 2003, que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira, seja de fato aplicada em todas as escolas, é processo-chave para vencer as desigualdades no país.
O cenário das mulheres negras no Brasil
Não é só a desigualdade social e a falta de oportunidades que prejudicam as mulheres negras no Brasil. Por aqui, a violência doméstica e o feminicídio são pontos críticos.
Quer entender melhor o que é considerado feminicídio? Confira abaixo o vídeo explicativo da Professora do Curso de Direito da Athon Ensino Superior, Juliana Saraiva:
Dados do Atlas da Violência de 2017 indicam que a maior parte das mulheres assassinadas no país são negras (66%).
O último Mapa da Violência (2015) também mostrou que nos últimos dez anos, período em que a Lei Maria da Penha passou a ser cumprida, diminuiu em 9,6% o assassinato de mulheres brancas no Brasil, mas aumentou em 54,8% o de mulheres negras.
Segundo a pesquisadora e filósofa militante, Djamila Ribeiro, mulheres negras também são as que mais sofrem violência sexual em razão da forte hipersexualização de seus corpos e morrem vítimas de aborto, já que não têm condições financeiras para bancar um procedimento seguro.
“Não é um fenômeno. Faz parte de uma estrutura. Se for pegar o contexto histórico do Brasil, a gente tem um país com mais de 300 anos de escravidão, uma herança escravocrata. E que no período da escravidão as mulheres negras eram estupradas sistematicamente pelos senhores de escravo. Existe também essa questão de ultra-sensualizar a mulher negra, colocar ela como objeto sexual, como lasciva… São tão desumanizadas que até a violência contra elas de alguma forma se quer justificar”, disse em entrevista ao El País.
5 grandes nomes das lutas de mulheres negras
1) Djamila Ribeiro
Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais, Djamila Ribeiro é autora de obras como Lugar de Fala (2017), Quem tem medo do feminismo negro (2018) e Pequeno manual antirracista (2019).
Colunista do jornal Folha de São Paulo, Djamila entende que é preciso perceber as várias possibilidades de ser mulher: a mulher negra, a mulher branca, a mulher indígena, a mulher lésbica e a mulher pobre.
Por isso defende um olhar específico para a mulher negra. “Em determinado momento da história, as mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto, ao passo que as mulheres negras lutavam para serem vistas como seres humanos pela sociedade”, lembra ela.
2) Angela Davis
Negra, mulher, ativista e feminista, a educadora e professora americana Angela Davis, 76 anos, integra o grupo de mulheres negras que defenderam um mundo mais justo a partir da década de 60.
Autora de importantes obras como “Mulheres, Raça e Classe (1981)” e “A Liberdade é uma luta constante (2015)”, Angela chegou a ser perseguida e colocada na lista dos 10 criminosos mais perseguidos do país.
Foi presa sem provas e, à época, gerou uma ebulição de protestos, que mobilizou, nada menos que John Lennon e Yoko Ono com a canção “Angel” e Rolling Stones, com “Sweet Black Angel”.
“Nós representamos as poderosas forças de mudança que estão determinadas a impedir que as moribundas culturas do racismo e do patriarcado heterossexual se ergam novamente”, disse Angela em seu recente discurso histórico nos Estados Unidos.
3) Chimamanda Adiche
Escritora Nigeriana, Chimamanda Adiche, é reconhecida como uma das mais importantes jovens autoras anglófonas e atrai uma geração de leitores de literatura africana.
Autora dos discursos “O perigo de uma única história” e “Todos nós deveríamos ser feministas”, a escritora é uma das referências mais pujantes na luta da discriminação sexual.
“O feminismo não diz que você não pode casar e ter filhos, e sim que você deveria ter uma escolha. O feminismo quer que as mulheres escolham”, relata em um de seus discursos mais icônicos.
4) Tereza de Benguela
Líder quilombola de Quariterê no século 18, região de atual fronteira da Bolívia com o estado de Mato Grosso, Tereza se destacou por instituir uma espécie de parlamento no quilombo, onde se discutiam as regras da comunidade.
Em 1770, ela foi morta por soldados do Estado. Em sua homenagem, no dia 25 de julho se celebra o Dia Nacional de Tereza Benguela e da Negra Latino-Americana e Caribenha.
5) Conceição Evaristo
Conceição Evaristo é uma escritora mineira, de Belo Horizonte, e doutora em Literatura Comparada. Seus textos trazem a experiência de opressão e marginalidade, valorizando a memória ancestral.
Em 2019, ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria Personalidade Literária do Ano. Suas principais obras são os romances “Ponciá Vicêncio (2003)”, “Insubmissas lágrimas de mulheres (2011)” e “Olhos D’água (2014)”.
Aos 71 anos, ela acredita que escrever e contar histórias é a melhor maneira de enfrentar o preconceito.
“A literatura, até hoje, está nas mãos de homens e homens brancos. Quebrar com esse imaginário que coloca as mulheres negras no lugar de subalternidade e não acreditar nessas mulheres como potentes também na escrita causam um desinteresse no mundo literário”, disse em entrevista ao Correio Braziliense.
8 livros sobre a história das mulheres negras na sociedade
O ser humano sempre engrandece quando absorve novas experiências e passa a compreender contextos que não fazem parte de sua realidade.
Enrique mais ainda quando conhece o mundo interno de mulheres negras que estão dispostas a transformar a sociedade em que vivem, ainda que isso custe críticas, perseguições ou até a morte.
Abaixo, veja uma seleção de 8 livros que mesclam poesia, autobiografia e pesquisas acadêmicas sobre a luta das mulheres negras na sociedade:
- Quem tem medo do feminismo negro? (Djamila Ribeiro)
- Mulheres, raça e classe (Angela Davis)
- Sejamos todos feministas e Meio Sol Amarelo (Chimamanda Adiche)
- Ponciá Vicêncio (Conceição Evaristo)
- Quarto do despejo (Maria Carolina de Jesus)
- Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história (Giovana Xavier)
- Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis (Jarid Arraes)
- Pensamento feminista negro (Patricia Hill Collins)
A luta não pode ficar segmentada só na voz das mulheres negras
Para que a mudança aconteça de forma mais expressiva é necessário, em primeiro lugar, entender que o Brasil convive com uma ironia:
A maioria vira minoria.
54,9% das pessoas se declaram negras, mas 64,2% desse grupo não tem emprego. Se olharmos para o recorte mulheres negras, o buraco é ainda mais fundo, conforme já foi relatado neste artigo.
É por esse motivo que a pauta não pode ficar segmentada somente na voz das mulheres negras.
A sociedade brasileira precisa reconhecer o racismo e a desigualdade social a fim de que essa parcela mais vulnerável da sociedade tenha mais recursos para lutar e buscar políticas públicas que, de fato, forneçam oportunidades e melhores condições de vida.
A luta ainda é longa, mas ela não para.